segunda-feira, agosto 27, 2007

Âmago

"Eu antes queria ser os outros para conhecer o que eu não era. Porém rapidamente entendi que já tinha sido os outros, e isso era fácil. A minha maior experiência seria ser o âmago dos outros: e o âmago dos outros era eu." (Clarisse Lispector)

domingo, agosto 26, 2007

Beco de mim

A grande ilusão foi a de acreditar que algo poderia mudar.
              Só sou.
                              A dispensável evidência.
                                                   O protótipo da irremediabilidade.
                                                                                                                      Sou. Só.
Ponto.

Anita
(04/06/05)

Perdurável Deiscência

Quando um fim acontece
Há sempre tanto que nos desvanece
Há algo que se teme e se ignora
E agora…?
Tudo aquilo que se tornou certo e garantido
Ao que pertencentes nos sentimos
E onde encontrámos um sentido
Se nos escapa sem controlo
E as infinitas promessas não nos bastam de consolo
Do grande dia último vejo as garras
Que ao negro buraco me destinam
Aquele a que me precipito sem amarras
Ao que a angústia e incerteza me confinam
E por enquanto de nada me vale 
O que de novo por aí se avizinha
Pois há o que me prenda à etapa passada
E triunfalmente me tem cativa
Há o que me consome por inteiro e o que me incapacita
Neste estranho interstício de divisa
Pelo que...
O que prevalece neste estado de ânimo resistente
É a ingénita crença da infinitude do presente
É a imperecível Graça da nossa cumplicidade deiscente*
É esta febre de compartilha premente

*Que se “abre” espontaneamente, por suturas pré-existentes (botânica)

Anita
(19/05/05)

Irremediável Imutabilidade

O mundo pediu-me por novidades
Mais serena ou apressadamente
Fui tentar achá-las
Procurei pelos temas e matérias
Síncronos com os que dele oiço
Foi então que me deparei
Com todo o imperial e atroz silêncio em que me mergulho
Deslocada me vi
Sozinha no marasmo em que me atolei
Cúmplice e inerte
Velha e tola.
E com mais uma dúvida me fiquei
Será isto ainda devido à minha cómoda infantilidade
Ou já à minha precoce senilidade?   


Anita
(05/05/05)

Modus Vivendi

Existem aqueles que chegam ao lar, após um dia de trabalho, e a preocupação que os guia é a de se inteirarem das últimas notícias voyeuristas, parecendo que a própria vida deixou de os poder saciar e preencher e só o facilitismo e o degradante persistem em valer.
Existem os outros que regressam de espírito revirado, Senhores da Verdade, vítimas de todo e qualquer facto e nobres signatários da incompreensão e do império da máscara de ferro e não raras vezes cheios de palavras de condenação, acabando por serem eles os infelizes arguidos do seu próprio julgamento.
Existem os definhados em ideias e sonhos, que pelo pouco que dizem e pelo menos que fazem tentam convencer-se que são insubstituíveis e cruciais ao seu redor. Preferem quase sempre manter-se na dúvida do que desiludirem-se com a realidade e ao ambicionarem a macro transformação se perdem e se cegam, inábeis em mudar o mais simples e próximo que deles vive.
Existem, porém, aqueles outros que às vezes se declaram impotentes mas que se mantêm na teimosa trilha de se desacomodarem e de, por exemplo, ligarem para as entidades responsáveis chamando a atenção da carrada de horas que os candeeiros da rua permanecem despropositadamente acesos, à mera berma da estrada imprópria para peões, o monte de areia de uma obra finda que ninguém se lembra já de ter existido e que rouba os poucos lugares de estacionamento ainda existentes.
Todos somos um pouco disto tudo, mas só alguns têm o privilégio de conviverem junto de um certo modus vivendi rarefeito.  

Anita
(27/05/05)

Eureka!

Bem comer mal vs. mal comer bem

Quanto < alimento, > o suprimento

Se todos aderissem ao Princípio Único, resolviam-se muitos problemas e criar-se-iam outros... ainda maiores!

Quer tudo só olhar para a luz mais brilhante, fica tudo ofuscado; admira-se melhor a luz mais fraca do nascer/pôr-do-sol não é a do meio-dia

Quando existe algo de errado (doença, acidentes) tende-se a centrar a atenção apenas nisso, só que como consequência que é, a causa está no todo; sendo já pelo menos o início da resolução do problema – oculto; há-que atentar é para o resto – o contexto

Quando tudo bate certo, qual é o sentido? Procura-se, portanto, o incerto

Os médicos vestem-se de branco (forma: paz) porque a sua função é guerrear - com o nosso corpo (outro ex.: a casa branca)

As pessoas confiam acefalamente na História que lhes ensinam, no que a ciência lhes diz; e no fundo desconfiam/não acreditam que os enganos que se cometeram antes (pela mesma ciência) possam acontecer de novo - ciência com estatuto de religião

Às crianças ensina-se: há o bom e o mau
Ao assumir-se a teoria monista do bem e do mal como orientação interna os adultos resultam em:
1)Faz o bem e só recebe o mal – é a vítima; a vida é injusta – santo
2)Faz o mal e recebe o bem – é o culpado, o diabo; aqui inclui-se o profeta/médico que vendem a mentira bem cara (a verdade ninguém a quer mesmo gratuita) ao rebanho – líderes de massas
3)Vai alternando entre os 2 (sem Princípio Único) – desresponsabilizado, ovelha do rebanho; busca-se resposta orientadora externa
4)Marginais, loucos, arrogantes, adeptos do Princípio Único

Quanto mais se tem, mais se precisa

Doido lúcido vs. lúcido doido

Quanto mais vias rápidas existem, menos tempo temos

Devagar, ganha-se vagar; depressa, ganha-se pressa

Quanto mais se concede simpaticamente, mais se carece (requer) arrogantemente

Uma grande alegria faz chorar, uma grande tristeza faz... rir! Potencialmente ao se melhor reconhecerem as alegrias

A atitude face a uma situação é que é problema/solução

A criança procura naturalmente problemas, encontra soluções; o adulto procura soluções, encontra problemas

Quanto maior o sucesso, maior a frustração (excessos dos artistas)
Quanto mais acertado para dentro, mais errado para fora; quem não se desvia internamente, excede externamente; quanto melhor se trata a si próprio, pior trata os outros (tiranos atletas e saudáveis)

Quem promete o céu, dá o inferno. Quem promete o inferno dá... o céu?!

Quem faz mal e fica doente, recebe o bem dos outros (compaixão, subsídios); quem faz bem e está saudável recebe o mal dos outros (exigências, trabalho)

O mal do mal é fazer bem; o bem do bem é... fazer mal!

Vivências terrenas diabólicas, geram vivência etéreas divinas (artistas, filósofos com histórias de vida singulares; morte)

Prendem-se pessoas depois de fazerem o mal, mas quanto maior este tiver sido, maior o bem em potência que têm para dar; libertam-se quando se portam bem, com mal potencial para dar

Quem precisa mais de se curar é o saudável; o doente já tem a doença como cura

Castigos para os maiores benfeitores; doenças para os mais saudáveis – o P.U. trata de tudo

Ricos cada vez mais ricos, pobres cada vez mais pobres, solução à vista!

Canibalismo de reino provoca excesso de saúde, auto-canibalismo (individual) provoca excesso de doença (saúde)

As crianças sendo mais descontroladas durante acontecimentos vulgares, controlam-se mais que os adultos em acontecimentos extremos (não choram por alegria)

Vale é criticar o bem e elogiar o mal

Tristeza: função yang, forma yin; extrema tristeza, função extremo yang -> yin, forma yang (riso)
Alegria: função yin, forma yang; extrema alegria, função extremo yin -> yang, forma yin (choro)

Pequena tristeza real, atrai grande tristeza imaginária -> alegria imaginária!

Riso melhora a respiração; riso extremo dificulta/impossibilita a respiração
Choro liberta líquidos e substâncias nocivas; choro extremo...limpa mais

Procedimentos a ter:
1)Piorar o que está mal –> soluções
2)Melhorar o que está bem -> problemas

Segredos-chave:
1)Contentarmo-nos com as tristezas
2)Chorar com as alegrias

Mínima alegria real -> Riso (máximo de resultado)
Extrema tristeza real -> Riso

Riso/choro com pequenas alegrias; choro extremo/riso com grandes tristezas
Amor: função yang, forma yin (afectos); resulta de repulsa extrema, função extremo yin -> yang
Ódio: função yin, forma yang (agressão); resulta de atracção extrema, função extremo yang -> yin

Quem teme repelir, jamais atrai

Criar extrema repulsa com quem amamos e extrema atracção com quem odiamos; fazer amor com o inimigo e guerra com o amigo

Ao repelir a verdade, atrai-se a verdade; ao repelir a mentira, esta aumenta:
Atrair a mentira e repelir a verdade -> elogiar a mentira e criticar a verdade -> aumenta-se a mentira -> aumenta-se a verdade! Quanto mais extrema a mentira, mais próximo da verdade está!!

Apostar em grandes mentiras, rejeitar grandes verdades

Quem só expressa externamente verdade, reserva internamente mentira

Ser arrogante com os simpáticos e simpático com os arrogantes

Anita
(várias datas primavera '07)

EntalaMente

Tinha tanto para te dizer
Tanto e tão intenso
Que num ápice quis libertar-me deste imenso
Foi então que a porta se estreitou
Foi então que tudo à saída se chocou
E que te disse
O que da minha boca não ouviste 
Ao receberes este meu grão
Devolveste-me com meia-dúzia mais
E a esta basta seara de verão
Juntaste-lhe ainda esses que tais
Com o que se esquivou deste atropelo
Que seria o todo te convenceste
Nem por um pouco suspeitaste
Que foi tão só por ser um grão pequeno
Que a brisa do vento o fez voar.

Anita
(27/04/05)

Em mim desencadeaste

Temo que o que em mim vive
Seja só em mim que exista
Que tudo aquilo que nos juntou
Se desfaça numa ínfima parte de nós;
A que nos move.

Ou serás tu afinal aquele que jamais reconhecerei…

À profunda pertença
À conduta ridícula
À minha pior insónia
À tua permanente presença
De nada lhes vale
Senão a diluição temporal.


Sinto reviverem em mim
Os delírios do escritor consagrado
A face obscura do músico inolvidável
E no entanto
Nada em mim encontro
De valor e memorável

Anita
(data desconhecida)

Discaparates

Agora que sentido me faz!
O invariável jogo de variáveis...

Abraço a indigência em mim
E prevejo-me, repleta?
(incertamente que não)

Anita (19/02/07)

Às gotas responsáveis...

São nenhuns meus lamentos
Cumprido foi o meu ser em todos os momentos
Na promessa desses outros tempos
 
Meu trilho resume-se a um ponto
Aspirar pela vontade de luta contra um mesmo tédio
Aspirar pela inquietude na busca de um melhor meio
 
Meus ais e minhas dores são fantasmas decadentes
Todo o meu eu é o que sempre quis
Um eterno incongruente
Num oceano de gotas que o fazem feliz
 
Anita
(07/03/06)

A tola esperança

Debaixo da chuva fina
O voluntariado da tolice
Seu propósito vinga

Em águas me banho
Voluntária da inconstância e da ilusão

Perdida

A tola esperança da premeditada justiça
A tola esperança de nada perder
A tola esperança de nunca morrer
Tolas
Como a de comigo te ter

Meu propósito vinga

A plenitude de nada sequer ser
Um burburinho de que algo está para cair…

Sclap!
E de cara molhada
Sorrio

Anita
(18/03/06)